Pouco antes das 8h00 locais (15h00 em Lisboa) do dia 26 de dezembro de 2004, um sismo de magnitude 9,1 abalou a costa da ilha de Sumatra, na Indonésia.
O sismo deu origem a um tsunami, que destruiu a costa de 14 países banhados pelo oceano índico e fez perto de 230 mil mortos.
Ondas de até 50 metros varreram a Indonésia e atravessaram o Oceano Índico a uma velocidade que atingiu os 700 quilómetros por hora. A força do terramoto afetou até o movimento de rotação da Terra. Os dias ficaram mais pequenos cerca de sete microssegundos e a posição do Polo Norte desviou-se cerca de 2,5 centímetros para Este.
É considerada uma das maiores e mais mortíferas catástrofes naturais de que há registo. Para além do rasto de destruição, deixou também marcas na memória de quem por lá passou em reportagem.
Nuno Patrício e Rita Marrafa de Carvalho, jornalistas da RTP, viajaram para a Indonésia nos primeiros dias de janeiro de 2005.
“Só nos dias finais de 2004 é que começamos a ter a perceção que o sítio mais afetado tinha sido a ilha de Sumatra, na Indonésia. Só muito perto do final do ano é que começamos a ter a notícia do número de mortos nessa ilha. Foi nessa altura que eu e o Nuno Patrício fomos num avião com ajuda humanitária da parte de Portugal, com a equipa da proteção civil e médicos, e aterramos primeiro na Indonésia e daí apanhamos um avião para Sumatra e aterrámos no caos”, recorda.
Aterraram na única base disponível para receber ajuda humanitária, que era o aeroporto militar de Sumatra, e ali pernoitaram durante dois dias.
“Dormimos durante dois dias numa placa no aeroporto, sempre com os aviões a aterrar e a partir com ajuda humanitária de todo o mundo”, recorda a jornalista.
Os jornalistas ficaram retidos no aeroporto porque as forças militares não permitiram que avançassem de imediato para Banda Aceh, a vila piscatória na ilha de Sumatra que tinha sido atingida com particular intensidade pelo tsunami.
Nesses dois dias, viram centenas de corpos serem depositados em valas que iam sendo abertas ao lado do aeroporto.
“Começavam a abrir fossas enormes onde eram depositados com um caterpiller corpos e corpos e onde era deitado cal para que os corpos começassem a decompor-se. O que era um perigo em termos de saúde pública por causa das águas pluviais e porque era mesmo ao lado do aeroporto, e eram valas gigantes”, acrescenta Rita Marrafa de Carvalho.
“Esse talvez tenha sido o impacto imediato e aquilo que nos fez perceber «Isto é realmente monumental e grave»”, afirma.
“Quando chegamos a Banda Aceh, passados três dias, uma das primeiras coisas que vimos foram quatro corpos empilhados à espera de serem recolhidos”, recorda Nuno Patrício, à época repórter de imagem.
“Vimos uma devastação total durante as duas semanas que lá estivemos”, diz, afirmando que havia vários destroços a vários quilómetros da costa. “A dez quilómetros da costa havia barcos”, lembra.
“Mas uma das coisas que mais me sensibilizou foi que quem procurava os corpos para depois serem recolhidos eram crianças. Porque os adultos estavam a trabalhar e muitos morreram”, acrescenta.
Da Indonésia para o Sri Lanka
Daniela Santiago e José Carlos Ramalho viajaram para o Sri Lanka, o segundo país mais afetado pelo tsunami a seguir à Indonésia, onde se estima que tenham morrido mais de 35 mil pessoas.
“Vinte anos depois, tenho a perceção exata de que foi a maior catástrofe natural e mais mortífera que o planeta assistiu”, diz Daniela Santiago. De acordo com as Nações Unidas, este foi o pior desastre natural já registado. Foi o terceiro maior terramoto no mundo deste 1900 e libertou energia equivalente a milhares de bombas atómicas como a lançada sobre a cidade de Hiroshima, em 1945.
“Foi uma tragédia enorme que me marcou tanto em termos profissionais como em termos pessoais, porque nós jornalistas, tenhamos a experiência que tenhamos, nunca estamos preparados para enfrentar uma tragédia com aquela dimensão, para vermos aquilo que temos que ver”, afirma.
Para o repórter de imagem José Carlos Ramalho, o que mais o impressionou foi toda a destruição deixada pelo tsunami.
“Eu já tinha estado em vários cenários de guerra, em mais de dez, mas nunca tinha visto uma destruição daquelas. A força da natureza é uma coisa monstruosa e abissal”, diz.
“Esperávamos ver muita destruição, mas não esperávamos ver um país com uma costa completamente desfeita”, salienta.
Apesar da tragédia, a resiliência e o positivismo do povo do Sri Lanka também impressionaram os jornalistas.
“As pessoas eram muito resilientes e muito positivas a encarar a desgraça. Uma das coisas que me marcou bastante é que havia sempre um sorriso, um agradecimento por estarem vivas. Viam que havia futuro”, diz José Carlos Ramalho.
“O que mais me marcou foi o sofrimento daquele povo e também a forma como agarrou a tragédia e avançou rumo ao futuro”, diz Daniela Santiago, e acrescenta: “A esmagadora maioria é budista. E como budistas, que vivem com a perceção de que o sofrimento é inerente à vida, aceitaram aquela tragédia e avançaram de uma forma que os indonésios, por exemplo, não avançaram”, explica.
“Quando nós chegamos eles já estavam a queimar os corpos nas fogueiras. Nunca esqueci o cheiro, tal como não esqueço esse cheiro a morto misturado a cheiro com as especiarias, com o calor e a humidade”, recorda.
“Foi uma experiência que me marcou e 28 anos depois de ter entrado na RTP, eu digo com toda a certeza que foi o evento que eu acompanhei que mais me marcou na vida”, declara a jornalista.